7.4.06

I Might As Well Be Dead

A renascença psicodélica deu-se no turbilhão criativo do meio dos anos 60, a partir da convergência catalisada pelos Beatles e reverberada, tanto na América quanto na Inglaterra. A mistura altamente volátil de Motown, skiffle, rock´n´roll, country, blues, canção de rádio e outras mumunhas dos Fab Four desencdeou um processo de mutação na música jovem. De um lado, os ingleses reinventavam o blues a partir de uma matriz estrangeira, alienígena, reinterpretada arbitrariamente, dando origem a um novo gênero. Nos EUA, por sua vez, o potencial transformador dos Beatles permitiu que artistas díspares como o adulto bardo folk Bob Dylan e os ensolarados cantores adolescentes dos Beach Boys pudessem ser vistos como peças de um mesmo quebra-cabeças.

Ao lado de mitos fundadores como os Merry Pranksters, a psicodelia pode ser definida através de um punhado de canções-chave, que ao mesmo tempo que aglutinam a urgência do rock com o processo de expansão mental derivado dos alucinógenos, também reescrevem um modo de fazer música. A essa estirpe pertencem músicas como "Eight Miles High", dos Byrds (a irrealidade transmitida pelas brumas - e a queda entre o paraíso cristão e o espaço sideral), "Visions Of Johanna", de Dylan (a eterealidade esboçada no órgão de "Lika a Rolling Stone" ampliada) e "Good vibrations" dos Beach Boys (a reconstrução do real a partir de formas clássicas - com o permanente gosto do pôr do sol no pacífico realizado em três movimentos [com refrão!]) e "Rain", dos Beatles.

Lado B do campacto de "Paperback Writer" (outra canção vital do repertório psicodélico), "Rain" é a ponte entre a refinação pop do álbum Rubber Soul e a liberdade agressiva do disco seguinte, Revolver. O riff de abertura fluido espalha-se pelo resto da canção, pontuada pelo ritmo notadamente esfumaçado da bateria. Dentro das possibilidades psicodélicas, uma canção pode dissolver, encobrir, remodelar ou simplesmente fugir da realidade, mas "Rain" propôe-se a encontrar tal ilusão de frente, como num rito de passagem.

"Se a chuva vem/ Eles correm e escondem as suas cabeças/ Eu bem poderia estar morto- se a chuva vem". O coro sempre lembra da chuva - mas com um "se", um "porém", enquanto Lennon questiona a prórpia impressão de se estar vivo. John rebate com aquele exalar arrastado que mais tarde levará a "I´m Only Sleeping", e aparece como a dilatação do tempo em si. "Se o sol brilha, eles deslizam para a sombra" - Lennon coloca a culpa nos "outros", sempre se escondendo, ciosos em manter as barreiras da realidade consensual intactas - sempre à sombra, sob uma cobertura, talvez a própria caverna de Platão.

O refrão é entermeado por um repicar análogo ao dos sinos, um chamado. Aqui, é tempo de despertar : "Chuva/ Não me importo/ Brilho/ O tempo estã bom", explica, mostrando que, de um modo ou de outro, a realidade está lá fora. Ou aqui dentro. E convida: "Eu posso te mostrar/ Quando começa a chover/ Tudo permnece igual". E então, explicita a ilusão, sem metáforas, direto e simples, "Você pode me ouvir, quando chove e [o sol] brilha/ É só um estado da mente". A transmutação pode não estar comleta, mas o ouvinte está desperto. Pode não encontrar a sua prórpia realidade, mas aprende que esta aqui é falsa, é construída e reforçada, uma parede que pode ser derrubada, rompada ou simplesmente esticada.

O ponto de partida para o remix da realidade é a própria música em si. O final de "Rain", nebuloso, traz uma peça chave, que, se já era conhecida da vanguarda erudita, foi ali introduzida no pop: a manipulação direta do som gravado. Quando a fita com a voz de Lennon é tocada de trás para frente, uma certeza se rompe: a música gravada é um ser separado, ema entidade diferente daquela música executada ao vivo. Onde os Beatles se remixam, abrem as portas da própria percepção musical. O pop se expande, aquela fala que parece um dialeto eslavo marca o fim da adolescência - de novo, o despertar. E uma vez acordada, essa música não conhece mais limites.

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