11.7.06

Wouldn't you miss me at all?

Pois é, o Syd Barret morreu. E agora é SÉRIO.

Descansa, guri, descansa...

10.7.06

Fashion victm

Aí, gurizada, tem uma matéria minha abrindo o podcast do Trama Virtual essa semana.
Baixaí!

5.7.06

Os Garotos São Espertos

A gente sabe muito bem que esse negócio de mod não é novo não. Começou em 63 e tal. Mesmo no Brasil, o Ira!, lá pelos anos 80, pegava carona no revival promovido pelo The Jam e tentava atualizar o "movimento" para o país - focando mais numa urbanidade nascente, de paulistano orgulhoso, que numa recordação dum passado incipíente. Tudo bem, eram os anos 80, e naqueles tempos, o culto pelos 60s era bem comum. Agora, como explicar o surgimento de um Relespública em plenos anos 90?

Na geração independente que despontou naquela década, via-se de tudo. Do Recife, o manguebeat e as bandas irmãs Nação Zumbi e Mundo Livre S/A traziam uma modernidade à brasileira, misturando hip-hop e maracatu de um lado e Jorge Ben e punk rock de outro, criando uma cena mítica, um arquétipo para aqueles que viviam "longe demais das capitais" (nada como usar uma citação lugar-comum de Engenheiros do Hawai, né?). Belo Horizonte era um celeiro que dava tanto o metal internacional do Sepultura quanto o dancehall ultra-jamaicano (e nada roots) do Skank - enquanto o Pato Fu transformava a ironia e o experimentalismo dos Mutantes em um credo. O interior de São Paulo enchia o mundo com microfonias, no Rio um tal de raprockandrollpsicodeliahardcoreragga era o quente. O Rio Grande do Sul atacava com o sempre "adiantado demais para a sua época" De Falla, enquanto Brasília exportava o forrócore dos Raimundos.

Essa geração pré-internet, unida tanto pelos festivais (como o campineiro Juntatribo) quanto pela MTV (principal fonte de conteúdo pop atualizado, naqueles tempos), usava qualquer gênero mais "tradicional" para compor sua "mistureba", mas nunca perdia de vista seu senso de modernidade, atualidade. Por mais que a jovem-guarda fosse uma referência para a Graforréia Xilarmônica, era apenas uma base kistch para a experimentação desenfreada e as piadas intraduzíveis dos gaudérios, assim como o Kiss era uma invisível influência para o Killing Chainsaw.

Para a Reles, isso não fazia nenhuma diferença. Eles nunca quiseram ser modernos - não que todos esses outros aí em cima quisessem ser - mas era uma questão mais simples: de um jeito ou de outro, todos os seus ídolos estavam mortos. Com uma única referência brasileira (o já citado Ira!), e sempre laureando o duo que é a pedra-de-toque de tudo que se faz em nome do rótulo mod no mundo (Who e Jam), o hoje trio curitibano lançou em 93 o compacto MOD pela Bloody Records. Ali, a Reles se destacou de uma cena esquizofrênica (duvida? Faz a lista: Woyszeck, Boi Mamão, Bonde Do Rolê, OAEOZ, Malditos Ácaros do Microcosmo, Resist Control, Catalépticos e Bad Folks. Contaí, agora, o que uma banda tem a ver com a outra?) e, por si própria, criou a cara de um "som de Curitiba", não "O" som, mas uma personalidade que acabou relacionada à capital do estado que vai de Paranaguá até Ponta Grossa.

Por outro lado, a Reles passou de certa forma alienada do eixo que reuniu o "churly" paulistano à psicodelia jovem-guarda gaúcha, materializado no Momento 68, banda das figuras-chave (menos visíveis, mas tão importantes quanto os Skywalkers ou Júpiter Maçã) de ambas as cenas, Sandro Garcia e Plato Dvorak. Recuperados da morte do vocalista Daniel Fagundes (que morreu num acidente de carro aos 16 anos), a Reles "inchou" (com a adição de Kako Louis nos vocais e Roger Gor nos teclados) e lançou o álbum "E o Rock´n´Roll, Brasil?" em 1999. E ali, a Reles demonstrou sua vocação para a historiografia do rock: ao lado de hoje clássicos como "Sol Em Estocolmo", figurava uma versão de "Neurastênico", fox-trote de Betinho & Seu Conjunto que entrou a toque de caixa na história do nascente rock brasileiro safra 50. Ou seja, driblando o "clichê" jovem-guarda, a Reles coloca a história do rock no Brasil a seu favor. Naquele mesmo disco, o rock´n´roll básico (sem nehuma afetação mod) da faixa-titulo convivia com o ska "Mammaoola". Sem novidades ou invenções a Reles descobriu sozinha que seu lugar no panteão pop tupiniquim é o de saudável guardião das tradições.

Depois de um contrato falido com a gravadora Universal (que rendeu o álbum O Circo Está Armado), a banda voltou ao formato original, aquele de 1990, o trio baixo (Ricardo Bastos), guitarra/voz (Fábio Elias) e bateria (Emmanuel "Moon" - adivinha de onde vem o apelido...). Em 2003 saíram com o álbum As Histórias São Iguais, praticamente um hinário mod. Com hits underground como "Garoa e Solidão" e a participação do ídolo Nasi em duas canções - uma delas composta pelo adolescente Edgar Scandurra e nunca antes gravada pelo Ira!, "A Fumaça É Melhor Que o Ar" - a Reles ressurgiu num cenário que passava a entrar em ebulição. A cena mod brasileira começava a dar sinal de articulação, unindo via rede Porto Alegre, Curitiba e São Paulo, juntando bandas que iam do pop jovem guarda dos Dissonantes ao mod 79 do Laboratório SP, passando pelos majors Cachoro Grande e os insanos Faichecleres. Logo centros periféricos do Sul, como Londrina E joinville tinham suas versões mod (aqui, o Cherry Bomb era anexado ao rótulo pelo seu punk 60s, enquanto o catarinense Reino Fungi tocava com Renato e Seus Blue Caps). No posto mais alto desse panteão fica a Reles, que tinha muito mais crédito de estrada e moral no underground que metade das novas bandas reunidas (algumas nem tão novas, tá). Com o disco distrubuído pela Tratore e muito bem divulgado - "Somos a banda que, ao invés vender mais CDs, somos a que mais dá CDs", falava Fábio Elias no Demo Sul de 2004 - coisa que, aliás, pude confirmar: encontrei Ivan, o produtor da banda, na saída do hotel Caçula naquele ano; ele só me perguntou "Você tem o disco da Relespública?". Diante da minha negativa, recebi um exemplar fresquinho do As Histórias São Iguais. Divulgação mais preza, impossível.

Corta para 2006, 24 de junho, Cascavel, Bielle Clube. A internet mudou os parâmetros, e eu estava indo ver um show com o meu irmão e os amigos dele, coisa impensável até dois anos atrás. Não pelo guri, mas pela "cena" de Cascavel, inexistente durante meus 16 anos por lá. O motivo para estar na casa noturna que eu desprezei durante toda a minha vida era mais que nobre: a Relespública, em sua turnê "MTV Apresenta". Quem sabe a Reles finalmente possa mostrar-se para o grande público do melhor modo possível: ao vivo, com a mesma impressionante energia presente em todos e quaisquer show deles. Aquele mesmo nó na garganta, aquele mesmo apelo ao movimento, a mesma majestade, graça, garra. Quem sabe a Reles poderia mudar a minha própria história.

Em Cascavel, em paralelo e acima da minha história pessoal com a cidade, a perspectiva histórica da Reles, e o papel deles na nebulosa fronteira entre o independente e o mercado oficial é o de transcender tudo em nome de uma religião com nome estrangeiro: o rock. O que mostra a Reles é que eles sabem muito bem qual é a liturgia e o credo dessa seita. As covers vão de Who e Beatles a Jorge Ben (via Mutantes) e Raul Seixas, com "Cowboy Fora-Da-Lei". E a Relespública deixa de ser mod porque deixa de pertencer a qualquer rótulo, a qualquer época. Para eles, o rock não é uma história linear que se explca numa progressão de fatos, num contínuo evolutivo. O rock é um organismo que contém em si todas as formas possíveis dentro de seu campo estético - e também a Reles. Entre a nova "Mudando os Sentidos" (faixa-titulo do próximo álbum) e "Capaz de Tudo", a principal canção daquele compacto de 93, a Reles é a mesma, mas também é diferente. Os meninos daquele vídeo caseiro que aparece no clipe de "Garoa e Solidão" cresceram, agora são a melhor cozinha do rock brasileiro e um dos melhores e mais carismáticos compositores da sua geração - mas também não perderam o vigor adolescente. Não importa se tiveram a sorte e o azar de começarem naqueles caóticos e maltratados anos 90 - a Reles não faz parte da história: a Relespública é a História, até porque, como eles mesmos ensinam, "As histórias são iguais".

4.7.06

Listen To The Girl/ As She Takes On Half The World

Ainda republicando o velho blog, só para manter esse aqui em dia (e para arquivar toda a minha "vasta" produção num endereço só). Agora, fugindo um pouco da música, um futuro clássico cult: Encontros e Desencontros.

Charlotte Sometimes

"I’m stuck. Does it get easier?"

Todas as pessoas com uma mínima chance de importar alguma coisa já se sentiram como a personagem de Scarlett Johansson em Encontros e Desencontros. Aquele mesmo amargor na garganta provocado por uma sensação mais profunda e confusa que apenas de um estranho em terra estranha (como diriam os Bunnymen, "People are strange, when you’re a strange"[eu sei que é do Doors, mas a versão do Bunnymen é melhor]). Ali, na tela, vemos o pico dessa experiência, catalizada por todas as coisas que só Tóquio oferece para os Ocidentais: jet lag, nada de alfabeto romano, conforto cultural mínimo (aliás, creio que Mafesoli já falou sobre "não-lugares", zonas de espaço-tempo que apresentam uma geografia física e cultural padronizada, como os shopping centers e os aeroportos [inclusive tem uma história sobre isso no "Clube da Luta"]). Mais uma das fábulas modernas, essa complexa mitologia da cultura pop, o filme da filha do hôme não trata de solidão ou do encontro das semelhanças entre os diferentes.

O deslocamento não reside nos problemas de tradução, no custo da ligação telefônica internacional, em não se encaixar no papel que a sociedade espera de você. O problema não é fumar: é perceber que o seu maior plano em longo prazo é largar o vício. Mais que a inutilidade do comercial de uísque, é a naturalidade em aceitá-lo. Não é o mal de uma geração que enfrentou o fim-do-século com hedonismo policiado. Não é a Cameron Diaz. Não é o CD de auto-ajuda.

Charlotte é um microcosmo de auto-descoberta nessa briga entre o cada vez mais importante mapa-realidade individual e mutável contra um status quo que pouco tem a ver com regras de etiqueta. Acima da cidade, olhando o nada e escutando apenas aquele som agudo fabricado pelo nosso próprio cérebro. O Japão é só um dos melhores veículos para perceber como conseguimos nos perder em nós mesmos: sem todas as facilidades de entretenimento e sociabilidade, afastada da automação do cotidiano e funcionando com o horário trocado em relação ao resto dos seres humanos, Charlotte sente o vórtice intensificado. Não exatamente um "o que você quer fazer da vida?", mas um "o que você pode fazer da sua vida", com uma insistente sensação de que se pode tudo, mas não se deve, ou quer, nada.

No auge dos seus 19 anos, Scarlett era (e ainda parece ser) a Charlotte universal. Bonita, mas com sutilezas (ou será verossimilhanças?) proibidas em Hollywood, como a barriguinha de cerveja. Sorriso suave, voz profunda e macia, uma aura de naturalidade rara nesse mar de tubarões da publicidade (que é pra isso que se presta, cada vez mais, Róliuúde). Mais segura que a Winnona Ryder e menos agressiva que a Angelina Jolie, Scarlett emana familiaridade. Assim conta aos outros sobre si mesmos. Exatamente aqueles que não entendem nada de rumo, mesmo que com as mãos repousando no timão, aqueles que repassam infinitamente na cabeça planos infinitamente fadados ao fracasso, aqueles solitários de multidão, aqueles que tem fé em tudo menos em si mesmos. Mesmo o mais alto arauto da iluminação teve a sorte de passar por esse estágio (tudo são estágios de uma permanência total). No fim, entre o som e o silêncio, a trilha sonora (explicando todo o resto) pende confusa entre o cinismo e a esperança. Porque mesmo as lamentações quixotescas de Nick Lowe em "What’s So Funny About Peace Love & Understanding" acabam soterradas pela introdução de bateria chupada das Ronettes, a parede de guitarras e a voz cheia de eco dizendo: "Eating up the scum is the hardest thing for me to do."