12.2.06

Everyone is a little queer

Certeza é uma opção que saiu do cardápio do cotidiano lá pelo fim do século XIX. Pouco a pouco, todas as convenções sociais e preconceitos foram se abalando: relgião, raça, sexo. Claro, dentro de um turbilhão caótico, mas se modificando. A visão ampla deste milênio mostra que todas as opções foram testadas, aprovadas e estão prontas para serem aplicadas. Mesmo que ainda não totalmente consolidados, os movimentos para os direitos civis, de liberação feminina e gay amelharam um número enorme de vitórias.

Mas ninguém explicou para a gente como conviver com todas essas diferenças. Se aprende a viver neste mundo complexo na porrada, não atraves de um manual de instruções, com a intuição substituindo a etiqueta formal. É só ver a cara de desconcertado com a qual a maioria de nós, héteros, somos abordados por alguém do mesmo sexo. Sensação estranha, um choque quase. Será que eu pareço gay? Estou dando os sinais errados? E o contrário também incomoda: um hétero que se apaixona por alguém do sexo oposto, para depois descobrir que tal pessoa é gay.

Pinkerton, o segundo álbum do Weezer, é complexo, sério, maduro. Como o Thw Who, que tinha o projeto de ópera-rock Lifehouse, que acabou transformado no álbum Who´s Next, Pinkerton inicialmente deveria chamar-se Songs From Th Black Hole, uma "space-opera", e acabou lançado como um CD levemente conceitual, dialogando com a ópera Madame Butterfly, de Puccini (Pinkerton é o nome de um dos personagens da peça). Comparado com o multiplatinado Blue Album, era especialmente denso, escuro, Rivers Cuomo enfrentando seus demônios, expondo sua vida como um John Lennon nerd. O coração quebrado de "El Scorcho", o corpo e a alma em trapos em "The Good Life", a ressaca do hedonismo de "Tired Of Sex" - um quadro também refletido nas melodias tortas, no artificialismo plástico do moog, nos vocais desafindos, num desleixo proposital - não o desleixo cool do lo-fi, mas um desleixo vindo do cansaço. Foi escorraçado pela crítica quando lançado, e vendeu pouco - só para], poucos anos depois, entrar nas listas de melhores discos dos anos 90.

Começando como uma caixinha de música indie, "Pink Triangle", oitava faixa do álbum, é um dilema desses. É a história de um menino que se apaixona por uma menina - que gosta de meninas. "Quando eu estou estável por tempo o suficiente/ Começo a procurar por amor/ Vejo um pequena num vestido floral/ Minha mente começa com os arranjos/ Mas quando eu começo a sentir aquele enlevo/ Descubro que eu enganei a mim mesmo/ Ele nunca sairia comigo/ Mesmo que eu fosse a última garota na Terra". O erro de Rivers Cuoumo o faz sentir-se mal ("Eu sou idiota, ela é uma lésbica/ Achei que tinha achado a garota da minha vida/ Era tão bom quando estávamos casados na minha mente/ Mas não seria o certo estarmos casados") e fantasia ("Se todo mundo é um pouco estranho/ Ela não poderia ser um pocuo careta?")

[Parêntese desnecessário: interessante como em inglês as expressões são ainda mais excludentes. "Queer", sinônimo para homossexual, significa "esquisito, estranho", enquanto "straight", heterossexual, significa "reto, correto", e também "careta".]

A situação de Rivers Cuomo não é exclusiva dela, pode ser um tanto comum. Nossas definições mais básicas de orientação sexual são biológicas (pelo menos em tese): homens gostam de mulheres e mulheres gostam de homens. Extrapolando um pouco para as aparências, homens que parecem e agem à "maneira feminina" gostam de homens, assim como mulheres "masculinizadas" gostam de mulheres. Ao mesmo tempo que soa como preconceito - não sem razão - também é uma forma de comportamento socialmente válida. Mas o que fazer quando a realidade se mostra diferente do que imaginamos?

Conforme a sociedade segue aceitando o comportamento homossexual, tais táticas de percepção tornam-se inúteis: não é preciso usar maquigem para ser gay, assim como uma lésbica pode ter cabelos compridos e vestir uma saia rodada. Dessa forma começam as confusões e desilusões amorosas. Ninguém vai querer, e muito menos deveria andar, com um crachá escrito [homo] - [hetero] - [bi]. E mesmo assim não ia adiantar muita coisa: Rivers Cuomo não percebeu o triângulo rosa na manga da guria. É como em "Procura-se Amy": não estamos preparados para isso, não sabemos como encarar.

Muita gente defende que as comunidades homossexuais se fechem em guetos pela falta de aceitação social. O que não deixa de ser mentira, porém escamoteia outro fato. Se já é difícil, como mostrou o Weezer, para um hetero se apaixonar por um homo, imagine alguém que pertence a uma minoria (estudos afirma que em torno de 6% da população mundial é gay) ter que lidar com o seu próprio coração batendo mais forte por alguém com quem você sabe que de forma alguma vai sentir a mesma coisa por você... repetidamente. O gueto dá conforto, você sabe por quem pode se apaixonar, com quem pode se relacionar. Dentro do gueto você pode ser quem quiser, e também se relaciona com pessoas que podem ser quem elas quiserem. Mais fácil, menos doloroso.

Ao mesmo tempo, enquanto o gueto se fecha para o resto do mundo, corre o risco de perder mudanças históricas. Um exemplo é a hostilidade das lésbicas "dasantiga" com as "mini-lesbians". Enquanto as mais novas desbravam territórios e descobrem a própria sexualidade em público (claro que elas podem estar fazendo isso só para pegar menino, e daí? E se elas estiverem apenas provocando?), quebrando barreiras sociais por pura rebeldia adolescente, um numero expressivo de lésbicas já decididas, inclusas no gueto, falam das mais novas com desdém. Porém, as mais novas são consequência, e ao mesmo tempo, tornam-se causa. Tanto elas quanto o lesbin-chic dos anos Madonna são frutos de uma sociedade mais sadia, mais disposta a lidar com as diferenças. E ao mesmo tempo, formam uma geração mais tolerante ainda, de seres hmanos que não se importam com a orientação sexual dos outros - a não ser quando o assunto é sexo, obviamente.

E enquanto a sociedade avança, aprendemos aos trancos. Será que chegaremos a um dia que saberemos por quem nos apaixonar? De jeito nenhum, tomara que os guetos se dissolvam cada vez mais e que todo mundo possa ser o que quiser. E as Joeys e seus triângulos cor-de-rosa por quem nos apaixonamos? Vão continuar existindo e colocando mais caras em saias-justas. São fatos, mudanças às quais os heterossexuais têm que se acostumar. Nem que seja na base da decepção e do espanto. Não um sacrifício, mas uma atitude de naturalidade, que possa atingir os dois lados. Muito melhor que preconceito e isolamento.

10.2.06

"My Chemical Romance Is Not EMO!!!"

Pra mim essa molecada toda dos anos 80 (Hüsker Dü, Rites Of Spring) era indie, hardcore, seilá. Mas a menininha insiste que eles eram os verdadeiros emos. Que sou eu pra discutir?
Eu gosto bastante de ver esse pessoal querendo mandar num rotulozinho de merda qeu nem o emocore. Ainda se estivessem discutindo o que é krautrock, esses negócios nebulosos...

Ahhh, link do Fake

1.2.06

A infável foice do tempo...

É só dar uma passada de olho pelas fotos do segundo Juntatribo para perceber que visualmente, os anos 90 ficaram bregas rapidinho.

Aumenta, Que Isso Aí É Roquenrrou!!!

Existe um gap de informação no rock brasileiro, uma década em branco. Se a Jovem Guarda e a Tropicália incendiaram o gosto pelo ritmo anglófono durante a década de 60, criando referenciais no imaginário pop e um mercado para o rock produzido durante o período "invasão britânica-psicodelia-ressaca", durante os anos 70 esse mercado arrefeceu e os artistas de rock ficaram na miúda. Um Raulzito aqui, Tia Rita acolá, nada que movesse multidões, até que o rock de bermudas carioca colocasse as guitarras de novo no mapa.

Dentre as trocentas e tantas mil formas que o rock adquiriu na "década do eu", talvez a que menos teve impacto no Brasil foi o hard rock/heavy metal (mentira, foi o glam inglês), extremamente popular do lado de cima do Equador. Claro que os artistas de maior projeção (Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath) até que atravessaram a fronteira, mas ainda assim, muita gente, como o popular (nos EUA) Grand Funk Railroad, ficou de fora.

E então que no final dos 90 surgiu um tal de stoner rock. Tá, as raízes vinham do grunge, mas esse negócio stoner estava muito mais para a maconha que para a heroína. No rastro do sucesso do Queens Of The Stone Age vinham artistas como Fu Manchu e Nebula, e também "veteranos" como Kyuss e Monster Magnet. Essa onda sim, bateu aqui, e gerou filhotes como Flaming Moe, MQN e mesmo os antes grunges Walverdes.

Só que, olhando de fora, parecia que toda essa nova penca de artistas, que forma uma ainda reduzida cena à parte, cujo epicentro é Goiânia, soava como se não tivesse idéia de que existia muita coisa antes deles, gigantes do róque que soam apenas como papo de tiozinho cabeludo: Budgie, Mountain, ZZ Top. Típica suposição de quem está de fora: o selo stoner Válvula Discos montou a coletânea online (pode baixar já, moleque!) Achados e Perdidos, com versões de clássicos gravados por uma nova geração de cabeludos fedendo uísque barato.

Dá uns dois CDs, 27 músicas no total. E engana-se quem acha que é só a fina flor gringa que é aqui representada: dez das canções são de artistas nacionais da mesma década (Qual década? Tente adivinhar pelo veículo estampado na capa da coletânea). Enquanto o Vincebuz redime Parchment Farm, do Blue Cheer, O Flowstone detona uma versão superpesada de Não Fale Com Paredes, do também obscuro Módulo 1000. Se o Cabrura põe ZZ Top numa briga em Beer Drinkers & Hell Raisers, o Água Pesada leva os puristas ao nocaute com sua versão de Alô Alô Marciano, gravada originalmente por Elis Regina. Se o Grand Funk Railroad e o Mountain tem duas músicas cada (Sin's A Good Man's Brother, com o Lazy Dog e Got This Thing On The Move, com o MQN, do primeiro; e Dreams Of Milk And Honey com o Saturn XII e Mississippi Queen com o Rock n’Roll Soul, do segundo), o nosso maior fenômeno roqueiro dos anos 70, o Secos & Molhados, também é homenageado duas vezes (BillyGoat com Amor e Kali com Sangue Latino).

Mais interessante que o resgate gringo, que vai do Focus ao Syd Barret, é o resgate brasileiro. Na tentativa de colocar o que é feito hoje como um sucessor natural de um ancestral "menos refinado", recicla-se Saracura (com o Xote do Jaguarão, de Kledir Ramil) e mesmo Raul Seixas (com o Rock do Diabo). Não que essas influências não existam, mas funcionam num caminho inverso: primeiro stoner, depois hard rock, depois o Brasil, assim como os "neo-mods" se apoiam na Jovem Guarda. Diferente da geração indie (e, em partes, do pós-punk paulistano), não é preciso carregar a pecha de macaquinho de gringo: o som deles também tem raízes no Brasil, oras.

Essa curiosidade pelos porões do rock brasileiro é fruto da equação Internet e P2P + arqueólogos pop, que resultou tanto na democratização do Tim Maia Racional quanto na coletânea Brazilian Nuggets, a ponte definitiva entre a Jovem Guarda, a Tropicália e o rock que se fez pelos 70s. Esse gosto pela poeira permitiu definir um lastro histórico,a partir de onde esses novos artistas podem seguir em frente, se colocar dentro de uma continuidade. E ao mesmo tempo, descobrirem-se como brasileiros, não apenas como metaleiros, injeta inteligência e abre as portas para um experimentalismo menos tacanho, mais colorido e divertido. Afastando o termo "rock brasileiro" do oxímoro, o rock fica mais fácil e, mesmo que menos perturbador ou traidor (dependendo do lado em que se está), tem mais sentido e razão.