25.11.06

Eles não querem usar burkha

São cinco – três guitarras, baixo, bateria, três dos caras têm um microfone na frente. Era o último dia de Demo Sul, e ainda tinha bastante sol, o que, somado à poeira vermelha da chácara isolada da civilização, dava um toque de Woodstock ao festival. No palco, A VI Geração da Família Palim do Norte da Turquia (desculpe-me, leitor, mas eu não vou abreviar esse nome, certo?), os cinco caras que, apesar de se referirem a si mesmos como “Família” e jurarem que são irmãos, não tem nada de parecido. Especialmente se você reparar no fato de que o “mini-me” de Charles Bronson e guitarrista inquieto Hassem Palim deveria ter alguma ligação genética com o gigantesco Hassanz Palim, gritando no microfone ao lado.

Se você ouvir A VI Geração da Família Palim do Norte da Turquia em álbum (é mp3, mas é um álbum) você vai achar alguma semelhança com os Titãs dos anos 80, especialmente em canções como “Aos 19 dias do mês de setembro de 1993” (que, apesar do que é dito na letra, não foi um ano bissexto) e “O Papa Tem Artrite”. Porém, ao vivo, a banda concentra faíscas e eletricidade, e transforma seu pós-punk tupiniquim numa versão hard de bandas como The Fall e Gang Of Four – trocando o funk branco por diversão.

Sim, eles estão se divertindo no palco. Mas as letras, acima de tudo, falam de negação, baseiam-se no contrário. Se nos anos 80 ainda existia algum “perigo comunista” e escolher como nome para sua banda a “Camarilha dos Quatro” que deu início à Revolução Chinesa fosse, ao mesmo tempo, uma declaração de princípios e uma provocação deliberada, no mundo pós 11/09 a única rebeldia eficiente e a única tática de choque razoável é se vestir com a perigosa indumentária do Oriente Médio e criar uma mitologia familiar fake de um clã do norte da Turquia.

“Karl Marx Não Mora Mais Aqui” é um exemplo de toda essa inversão sobre o próprio pós-punk. Um riff lento carrega toda a música, junto com a bateria reta e quadrada. Os barulhos começam a crescer, e Hassanz canta “A servidão da maioria alimenta o luxo dourado dos poderosos”, para, em seguida, afirmar uma outra luta de classes: “Aristocratas versus proletariado”. Marshall Berman, em seu estudo sobre a modernidade Tudo o que é Sólido se Desmancha no ar, considera Marx como um dos maiores enaltecedores da classe burguesa, citando trechos do Manifesto do Partido Comunista (escrito com Friedrich Engels) como “A classe burguesa, historicamente, desempenhou num papel revolucionário”. Não que Berman considerasse a classe burguesa a verdadeira classe revolucionária, mas apenas demonstra como Marx respeitava os feitos burgueses até aquele momento. Porém, a América Latina de veias abertas nunca presenciou uma classe burguesa progressista e empreendedora – e o conflito muda, para uma aristocracia feudal contra um proletariado inconsciente. Mas A VI Geração da Família Palim do Norte da Turquia desiste da revolução, tira as armas de Brixton das mãos do Clash e as entrega para os EUA: “O gatilho não vai falhar/ Quando chegar a sua vez”. Três frases crescem, a música se tensiona entre a luta, a negação de Marx e a afirmação que abre a canção – não temos saída, para sempre “a servidão da maioria alimenta o luxo dourado dos poderosos”.

Esse é o tipo de lógica, baseada na oposição e na negação, que perpassa toda a produção da banda. Por um lado, corrobora da piada de internet para fazer uma canção de amor à la “Sandina” (clássico dos Replicantes escrito pela lenda Jimi Joe) em “Acre!? Que porra é essa?!”, ou então questionam o racismo no Brasil através do sistema de cotas em “Fodam-se as Cores”. “Cardoso´s Song” pertence à longa cadeia de canções metalingüísticas da história do punk em celebração à simplicidade (ou, no caso, de negação ao virtuosismo) enquanto “1969” revive a teoria da conspiração, lembrando que “Neil Armstrong nunca soube voar”.

A negação da VI Geração da Família Palim do Norte da Turquia não é a mera birra adolescente dos Ramones – na verdade, estão desconstruindo aos poucos, e com ironia, o mundo que lhes foi dado – negando sistematicamente os supostos progressos da ciência, da sociedade e mesmo do rock, estão provando para si mesmos que não é esse tipo de realidade que esperam. O instrumental é sempre tenso, baseado no diálogo (ou seria discussão?) entre guitarras aos berros, que absorvem tanto elementos do rock’n’roll (“A rua Melvin Jones”) quanto indie rock de arena (“James, o andarilho solitário”) para criar uma parede de execução, onde os condenados são as idéias velhas. E assim, aprendemos que um “NÃO” bem dado vale muito mais que qualquer afirmativa besta, dessas que vêm em torrentes por esses tempos.

5 comentários:

Anônimo disse...

Grande Amauri!

Belo texto, cara. Parab�ns! Fant�stico mesmo!!!

Abra�o, meu caro.

Hastür Palim disse...

Valeu Amauri o melhor comentário que já ouvi da minha banda! HUHAUHAUHAUUHA

jebar437 disse...

Eu diria que é o texto mais literário a respeito dos Palins.



"'Mini-me' de Charles Bronson."
Todo mundo pega no pé de Hassen.

=P


http://programagaragem.blogspot.com/

Anônimo disse...

Valeu cara. Gostei muito do seu comentário. Abreaço, Hashid Palim!

Anônimo disse...

queremos textos temáticos, queremos textos temáticos!!!
e atualização, atualização!!!