25.10.06

Where have all the good times gone?

Demorou, mas chegou – finalmente parece primavera em São Paulo. Vá lá, não uma primavera foda como em Londrina, e sim uma primavera naquelas... Quem leu com alguma regularidade um dos trinta e cinco ponto dezoito blogs que eu já tive, provavelmente conhece minha obsessão com as estações climáticas intermediárias, outono e primavera. Eu li uma entrevista da Lovefoxxx (que, junto com o CSS, parece cada vez mais longe, no bom sentido) para a Sexy onde ela fazia uma lista de 10 dicas sobre como ter um relacionamento legal. Uma delas era a de marcar os bons momentos, as épocas legais, com coisas específicas e que ao mesmo tempo não sejam óbvias. Ao invés de fotografias, perfumes, ao invés de cartas, uma luz específica. “Putz!”, pensei. Essa luz específica é um fenômeno incrível que ocorre sempre nessas estações intermediárias – com certeza associada a um conjunto de substâncias químicas no ar que geram um cheiro diferente. Aliás, o olfato é um dos sentidos que contêm a maior carga de memória afetiva.

Sempre, na primavera e no outono, eu fico nostálgico. Mas é uma nostalgia indescritível, tem mais a ver com um desembaraço das linhas do tempo linear. Com aquela luz específica incidindo sobre as árvores, com o aroma estranho no ar (feromônios?), meu cérebro mistura presente, passado e futuro num estado de superposição incoerente. E por isso eu sou obcecado por essas estações, por causa dessa maldita sensação, melhor que qualquer droga, melhor que qualquer coisa – eu imagino que essa seja a realidade verdadeira, e não aquela que está fazendo barulho na Paulista agora.

Eu costumo associar esse sentimento estranho à nostalgia porque ele também ocorre em algumas situações diferentes do relatado. Músicas que marcaram uma época também me arrancam da realidade consensual e me colocam num mundo que não é nem o ontem, nem o amanhã. Nem lugar, nem tempo. O mais interessante é que existem músicas que se propõem a certa nostalgia, cada uma à sua maneira. Cada artista interpreta suas próprias lembranças de um jeito muito pessoal (não brinca!), mais pessoal que o amor ou o ódio.

Para os Ramones, a nostalgia, o passado, é sagrado. Se possível fosse para esses quatro cabeludos (especialmente para o Joey), nós estaríamos para sempre vivendo na adolescência deles. Pelo menos é o que se ouve em “Rock´n´Roll Radio”. Começando como um dial confuso, onde vozes de locutores AM se trombam, se atraem e repelem, um desses homens do rádio anuncia: “This is Rock’n’Roll Radio, with the Ramones. Come on, let´s go!”. Canção de abertura do disco End of a Century, produzido por Phil Spector (Ronettes Beatles), “Rock´n´Roll...” foi o segundo single tirado do álbum.

As gravações do quinto disco do Ramos foram tensas: Phil Spector nunca foi um produtor fácil de se lidar, um perfeccionista que entrava em constante conflito com os práticos Ramones. Apenas Joey, grande apreciador dos girl groups que Spector produziu durante os anos 50 e 60, conseguiu se dar bem com o produtor. “Rock´n´Roll Radio”, de qualquer forma, é o melhor encontro entre os gênios opostos. Após o locutor, entra a levada de bateria que marca a música. Caixa, prato, chimbau, e uma porrada de órgãos sobrepostos formando um riff quando você menos espera. Entram metais, guitarras e cordas, e aí está mais um perfeito wall of sound, especialidade de Spector.

Mas, mantendo o espírito Ramones, Joey canta mais um grito de guerra (são tantos nessa religião) com a voz rasgada: “Rock´n, rock´n´roll radio, let´s go!”. A música cresce, e quando parece que vai descambar para a barulheira, tudo muda para uma escala assobiável, que lembra as linhas de baixo do começo da história do rock. Por cima da cama de instrumentos, Joey vai recrutando todo as suas memórias musicais infantis, começando pelos programar de rádio e TV: Hullaballoo, Ed Sullivan, Upbeat, Murry the K, Alan Freed. O fim dos anos 70, o fim do século, e, acima de tudo, o fim do rock. Com as versões pasteurizadas da disco e do punk tomando as paradas, realmente parecia o fim do mundo para um garoto que acreditava tanto em sua própria infância.

Depois de lembrar-se de ouvir o rádio com a cabeça debaixo das cobertas, Joey conclama: “Nós precisamos de mudança/ E precisa ser logo/ Antes que o rock vire parte do passado/ Porque ultimamente tudo parece a mesma coisa para mim”. A letra vai até alguns heróis do excesso (um por geração – Jerry Lee Lewis, John Lennon e o T. Rex de Marc Bolan), e volta à nostalgia. Com muita fé na própria infância, joey não é só o garoto que não que crescer, mas que também não quer que nada a sua volta mude. Muito tarde, rapaz, as coisas mudaram bastante, e muitas delas por culpa sua. É a vida.

A mesma cultura gay norte-americana que nos deu a disco nos anos 70 também é, em boa parte, responsável pela revolução eletrônica ocorrida no final dos anos 80 na Inglaterra (a outra parte da culpa fica com o ecstasy). Descendentes do synth pop do começo daquela década, a dupla inglesa Pet Shop Boys aos poucos se misturou a onda clubber que dominou a Grã-Bretanha nos anos de 88/89.

Um dos efeitos mais interessantes do ecstasy, segundo Matthew Collin, autor de Altered State – The Story of Ecstasy and Acid House, são os quatro estágios do uso regular da droga. Primeiro, a euforia, a sensação única. Depois, o abuso, quando o usuário tenta atingir aquele mesmo patamar inexplicável da primeira vez em que ele experimenta o MDMA. Depois a decepção, ao perceber que aquilo tudo nunca vai voltar, e então a re-entrada no mundo pós-ecstasy, onde o ex-usuário procura o equilíbrio (eu sei, isso não é bem assim, mas não é isso que está em discussão aqui). “Being Boring”, faixa de abertura do álbum Behaviour (1990), dos Pet Shop Boys, tem muito a ver com esse último estágio.

Beats leves, aqueles bem típicos do pop do começo dos anos 90, a melodia lenta que guia a música tocada no sintetizador analógico (Behaviour foi um álbum atípico, onde os Pet Shop Boys resolveram trabalhar apenas com instrumentos não-digitais), alguns efeitos com um pouco de brilho abrem a canção. Com sussurros, o vocalista Niel Tennant faz suas próprias descobertas: “Eu achei uma caixa de velhas fotos/ E convites para festas de adolescentes/ Um deles dizia, ‘vista-se de branco’, e tinha uma citação/ Da esposa de alguém, um escritor famoso/ Dos anos 1920”. A esposa em questão é Zelda Fitzgerald, esposa de Scott Fitzgerald e também escritora, foi uma das mulheres mais importantes dos anos 20, para muitos, o arquétipo da “melindrosa”. A citação a qual Tennant se refere provavelmente é um trecho do ensaio “Elogio à Melindrosa”, escrito por Zelda e publicado em junho de 1922 na Metropolitan Magazine. Ali, ela dizia que a melindrosa “se recusava a ser entediante acima de tudo porque ela não era entediente” (“She refused to be bored chiefly because she wasn't boring”, você pode achar um trecho maior aqui). Tennant prossegue: “Quando você é jovem, você acha inspiração/ Em qualquer um que já se foi/ E, abrindo uma porta fechada/ Ela disse: ‘Nós nunca nos sentíamos entediados”.

Uma das principais teorias a respeito de “Being Boring” é de que a música retrata o hedonismo da época pré-Aids. No final, não estamos falando sobre Aids, sobre o fim do verão do amor, estamos falando sobre crescer, ter responsabilidades, e ainda assim, saber que não somos entediantes, nem entediados. “Agora eu sento com diferentes caras/ Em quartos alugados e lugares no estrangeiro/ Todas aquelas pessoas que eu beijava/ Algumas estão aqui, e outras estão perdidas/ Nos anos 1990”. Ir embora para sempre é uma opção, para a morte e para a vida. A nostalgia de “Being Boring” é construtiva e ao mesmo tempo deprimente – enquanto nos lamentamos porque nunca mais seremos os mesmos, aprendemos que nada temos a nos arrepender sobre o tempo em que fomos aquelas pessoas, pelo contrário, nosso passado é motivo de orgulho. “Porque nós nunca nos entediamos/ (...) E nunca nos preocupávamos se o tempo chegaria ao fim”.

As duas músicas acima foram escritas/lançadas na virada das décadas, quando, as vezes, lamentamos tempo que se foi e enchemos de esperança os anos vindouros. Agora a virada não é apenas de década, falamos de século, milênio. Os Strokes foram a primeira banda de rock a ter alguma exposição midiática nos anos 2000. “Someday” fecha a primeira metade do álbum de estréia dos guris de Nova York, Is This It (2001). Duas batidinhas na caixa e uma guitarra com distorção valvulada, dois acordes, deixa morrer, dois acordes, tudo rápido. Sem crescer, mas também sem assustar, outra guitarra e o baixo. O vocal de Julian Casablancas entra um pouco enterrado entre os pratos surrados sem dó. Com aquele jeito arrastado, alternando o cool e o visceral, canta “De muitas maneiras, sentiremos saudades dos bons velhos tempos/ Algum dia/ Algum dia”. Não há tempo a perder. Porém, a nostalgia de “Someday” se faz no agora, e se previne de um futuro de lamentações. Ao invés de olhar pra trás e lamentar, ou desejar aquilo para o presente, os Strokes sabem que a nostalgia se faz do agora, e não deixam nada para trás.

“Quando éramos jovens, cara, a gente se divertia/ Sempre/ Sempre”, ironiza Julian, recém entrado na casa dos vinte. Invertendo o sentimento, promete: “Algum dia/ Eu não estarei mais perdendo tempo”. Param as guitarras, baixo e bateria, e Casablancas sussurra “Tente de novo/ Tente de novo”, para tudo voltar como antes, e fechar bruscamente. Sem medo de criar um passado, os Strokes seguem em frente, sabendo o que já foi feito e apontando na direção de um eterno presente. Se isso acontece porque eles são novos demais (todos somos), só nos resta experimentar. E chega de saudade.

4 comentários:

Anônimo disse...

E ae gonzo? Espero que esteja tudo bem contigo aí em Sampa. Nunca mais nos falamos, desde a sua ida.
Bom texto(mas como é grande!!!).

Anônimo disse...

nossa cara que grande haha

Helô Coltro disse...

escreva sempre !!
amei!
primavera é sempre nostálgica, ainda mais com os sons dos grilos...
=*

Dai D. disse...

Prolixo, mas na medida!
Muito bom, muito, muito bom... preciso passar mais por aqui.

Bjos amigo queriiiidooooo!