30.1.06

O Retorno de Jack e Judy

Para qualquer um é óbvio que o marco inicial do punk é o primeiro disco dos Ramones. Todas aquelas músicas desgraçadamente simples, dando um novo sentido à expressão minimalismo: poucas notas, nenhum solo, nenhuma virada, vocal reto. Quando começa, termina. E um diferencial em relação às apresentações ao vivo: o disco é beeeeem mais lento que qualquer gravação dos shows da banda na mesma época. Ele foi feito para ser aprendido, decorado em quinze minutos, tão simples e estúpido que era.

Uma série de canções que lidavam por um lado com a loucura cotidiana de uma Nova York sub-underground, sem a pose da turma do Wharola, num Queens realmente fim de linha, e por outro lado, uma série de fantasias pessoais adolescentes, com uma dose extra de pura negação. Isso significa, num momento, Dee Dee compondo uma crônica sobre seus momentos de michê (53rd & 3rd) e Joey contando sobre uma mãe correndo atrás do filho com um bastão de beisebol (Beat On The Brat); e noutro, o cotidiano abalado pelo Massacre da Serra elétrica (Chainsaw) ou mesmo a obsessão com o nazismo (Today Your Love, Tomorrow The World), tudo temperado pela evolta barata (a única que vale alguma coisa) de I Don´t Wanna Walk Around with You e I Don´t Wanna Go Down To The Basement. Um resumo de tudo que eles produziriam: amor impossível em I Wanna Be Your Boyfriend, chapação idiota em Now I Wanna Sniff Some Glue, e os eternos gritos de guerra em Blitzkrieg Bop .

Mas se existe uma música que pode ser tida como fundadora de tudo, do mito dos Ramones ao punk em si, é Judy Is a Punk. No documentário End Of The Century, Tommy Ramone conta que chegara a um ensaio e Joey e Dee Dee estavam ensaiando a canção, com a qual ele hvia ficado maravilhado com a sua "modernidade". A partir desse relato, podemos imaginar que seja o marco zero do estilo Ramones de composição, bateria reta, sem introdução ou outras firulas, aquilo que iria desembocar mais tarde nos Sex Pistols.

Jack e Judy são o marco inicial de uma geração que ainda estava nascendo, uma cena novaiorquina que era um microcosmo da estafa adolescente no mundo. Muitos já haviam torrado os neurônios com cola, outros mais já haviam apanhado de tacos de beisebol, mas ninguém até então era nominalmente PUNK. Mais que um adjetivo, aqui começa uma era, um movimento, mesmo que involuntário. A dupla de personagens da música, por definição vindos da ralé, troca o tédio das rádios AM por qualquer coisa, tanto a trupe de patinação no gelo Ice Capaders quanto o grupo armado SLA (Symbionese Liberation Army, seqüestradores de Patti Hearst, a mais famosa vítima da síndrome de Estocolmo). Tanto o burlesco kitsch quanto o risco de um balaço valem a pena. Os Ramones não entendem: "Eu não sei o porquê/ Talvez elas morram", com a bunda gelada ou na cadeira elétrica. Mas elas acabam voltando, no álbum End Of A Century, ainda abandonadas. Na verdade, são um alter-ego da banda, e de todos os seus futuros seguidores, a própria semente punk.

O outro ponto nevrálgico da canção é um discreto potencial de meta-linguagem. Antes ainda da "articulada" One Chord Wonders, dos Adverts, os Ramones abordavam o próprio fazer da canção punk quando cantam: "Segunda estrofe/ Igual à primeira". Na mais curta música do àlbum, detonam uma série de questões: Quantas estrofes são o suficiente? Preciso de estrofes e refrão? Até onde a música tem que ir? Não importam as conclusão, importa saber que ali existia uma preocupação estética com a construção musical. Os Ramones redimiram a falta de habilidade, mas não a estupidez. Só porque você pode fazer música, mesmo que o máximo de domínio do seu instrumento seja saber a posição correta de como segurá-lo, não significa que qualquer coisa que você tocar será boa ou interessante. Você pode não usar o sistema estrofe-refrão-estrofe. Mas tem que saber o porquê daquilo. Os Ramones cantavam a segunda estrofe da mesma maneira que a primeira. Mas a terceira era diferente.

Um comentário:

Helô Coltro disse...

muito bom mesmo!! começou 2006 cheio de boas idéias e inspirações...

"judy is, a punk rockerrrr nooooooow!"