1.2.06

Aumenta, Que Isso Aí É Roquenrrou!!!

Existe um gap de informação no rock brasileiro, uma década em branco. Se a Jovem Guarda e a Tropicália incendiaram o gosto pelo ritmo anglófono durante a década de 60, criando referenciais no imaginário pop e um mercado para o rock produzido durante o período "invasão britânica-psicodelia-ressaca", durante os anos 70 esse mercado arrefeceu e os artistas de rock ficaram na miúda. Um Raulzito aqui, Tia Rita acolá, nada que movesse multidões, até que o rock de bermudas carioca colocasse as guitarras de novo no mapa.

Dentre as trocentas e tantas mil formas que o rock adquiriu na "década do eu", talvez a que menos teve impacto no Brasil foi o hard rock/heavy metal (mentira, foi o glam inglês), extremamente popular do lado de cima do Equador. Claro que os artistas de maior projeção (Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath) até que atravessaram a fronteira, mas ainda assim, muita gente, como o popular (nos EUA) Grand Funk Railroad, ficou de fora.

E então que no final dos 90 surgiu um tal de stoner rock. Tá, as raízes vinham do grunge, mas esse negócio stoner estava muito mais para a maconha que para a heroína. No rastro do sucesso do Queens Of The Stone Age vinham artistas como Fu Manchu e Nebula, e também "veteranos" como Kyuss e Monster Magnet. Essa onda sim, bateu aqui, e gerou filhotes como Flaming Moe, MQN e mesmo os antes grunges Walverdes.

Só que, olhando de fora, parecia que toda essa nova penca de artistas, que forma uma ainda reduzida cena à parte, cujo epicentro é Goiânia, soava como se não tivesse idéia de que existia muita coisa antes deles, gigantes do róque que soam apenas como papo de tiozinho cabeludo: Budgie, Mountain, ZZ Top. Típica suposição de quem está de fora: o selo stoner Válvula Discos montou a coletânea online (pode baixar já, moleque!) Achados e Perdidos, com versões de clássicos gravados por uma nova geração de cabeludos fedendo uísque barato.

Dá uns dois CDs, 27 músicas no total. E engana-se quem acha que é só a fina flor gringa que é aqui representada: dez das canções são de artistas nacionais da mesma década (Qual década? Tente adivinhar pelo veículo estampado na capa da coletânea). Enquanto o Vincebuz redime Parchment Farm, do Blue Cheer, O Flowstone detona uma versão superpesada de Não Fale Com Paredes, do também obscuro Módulo 1000. Se o Cabrura põe ZZ Top numa briga em Beer Drinkers & Hell Raisers, o Água Pesada leva os puristas ao nocaute com sua versão de Alô Alô Marciano, gravada originalmente por Elis Regina. Se o Grand Funk Railroad e o Mountain tem duas músicas cada (Sin's A Good Man's Brother, com o Lazy Dog e Got This Thing On The Move, com o MQN, do primeiro; e Dreams Of Milk And Honey com o Saturn XII e Mississippi Queen com o Rock n’Roll Soul, do segundo), o nosso maior fenômeno roqueiro dos anos 70, o Secos & Molhados, também é homenageado duas vezes (BillyGoat com Amor e Kali com Sangue Latino).

Mais interessante que o resgate gringo, que vai do Focus ao Syd Barret, é o resgate brasileiro. Na tentativa de colocar o que é feito hoje como um sucessor natural de um ancestral "menos refinado", recicla-se Saracura (com o Xote do Jaguarão, de Kledir Ramil) e mesmo Raul Seixas (com o Rock do Diabo). Não que essas influências não existam, mas funcionam num caminho inverso: primeiro stoner, depois hard rock, depois o Brasil, assim como os "neo-mods" se apoiam na Jovem Guarda. Diferente da geração indie (e, em partes, do pós-punk paulistano), não é preciso carregar a pecha de macaquinho de gringo: o som deles também tem raízes no Brasil, oras.

Essa curiosidade pelos porões do rock brasileiro é fruto da equação Internet e P2P + arqueólogos pop, que resultou tanto na democratização do Tim Maia Racional quanto na coletânea Brazilian Nuggets, a ponte definitiva entre a Jovem Guarda, a Tropicália e o rock que se fez pelos 70s. Esse gosto pela poeira permitiu definir um lastro histórico,a partir de onde esses novos artistas podem seguir em frente, se colocar dentro de uma continuidade. E ao mesmo tempo, descobrirem-se como brasileiros, não apenas como metaleiros, injeta inteligência e abre as portas para um experimentalismo menos tacanho, mais colorido e divertido. Afastando o termo "rock brasileiro" do oxímoro, o rock fica mais fácil e, mesmo que menos perturbador ou traidor (dependendo do lado em que se está), tem mais sentido e razão.

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