10.4.07

.22

Eu sei bem que você ainda gosta daqueles textos temáticos - aquela besteirinha que eu "inventei" quando ainda estava na faculdade, uma desculpa para escrever sobre música com alguma periodicidade e sem nenhuma notícia bombástica nem teoria mirabolante - só pegar umas canções que tenham letras tratando de temas parecidos.

Então começo hoje com duas canções - só uma visitada rapidinha a esse passado que sempre teima em aparecer, seja na primavera ou no outono. De cabeça, lembro de duas músicas que citam o número 22 (ou, como diriam os locutores de bingo, "dois patinhos na lagoa") em relação à idade. A mais antiga é "Lost Highway", que as pessoas costumam lembrar na voz do gênio country Hank Williams (mas que também teve versões de Bob Dylan, de Jeff Buckley e mesmo de Artur Franquini), e que foi composta pelo músico (cego) Leon Payne. Antes que a doença lhe tirasse a visão, Payne atravessava os EUA de carona em carona, arranjando pequenos empregos nas cidades onde parava. Quando, certa vez, estava na Califórnia, precisava visitar sua mãe, adoentada, no Texas. Sem conseguir uma carona, acabou recebendo o auxílio do Exército da Salvação - e enquanto esperava, acabou compondo "Lost Highway".

A história contada e recontada em "Lost Highway" é velha: o rapaz decente e temente a deus acaba enveredando pelo caminho do pecado e se perde por lá para sempre. A versão de Williams, que ficou gravada na memória da música pop, refletia um desespero misturado com resignação - de certa forma, um tanto a ver com as canções de corno com as quais ele ficou conhecido, porém com um viés mais dramático ainda. E então, na terceira estrofe, ele irrompe: "Eu era apenas um rapaz, com quase 22", e então põe o ouvinte em seu lugar - "Nem bom, nem mau, só um guri como você", só para, depois, lembrar do quanto irremediável é a situação: "E agora estou perdido, tarde demais para rezar/ Senhor, eu paguei o preço, na estrada perdida".

Na outra ponta, quase do outro lado, nós temos o Iguana capitaneando seus Patetas. Na Detroit de 1969, o sonho hippie chegara natimorto. A cidade dos motores, além da linha de fábrica de sucessos da Motown, também acabou por parir uma geração de garageiros com gosto pelo barulho alto, onde o ronco dos veículos da Ford confundia-se com as guitarras estridentes do MC5 e dos Stooges. Estes últimos tinham à frente o palhaço mais perigoso do rock, James Osterberg, lenda viva que entrou para a história sob a alcunha de Iggy Pop. O homônimo álbum de estréia dos Stooges polarizava-se entre a explosão de energia sexual ("I Wanna Be Your Dog", "TV Eye") e a energia destrutiva do tédio - de "No Fun" e "1969".

Esta última traz as previsões do "tarólogo e astrólogo" Iggy Pop para o ano de 69, e, diferente de Serge Gainsbourg que imaginava aquele como o "Anne Erótique", Iggy parecia bem mais perto da realidade: "É 1969/ Em todos os EUA/ Mais um ano para mim e para você/ Mais um ano sem nada para fazer", parodiando as canções de ano novo com feroz apatia. E então lembra do próprio envelhecer: "No ano passado eu tinha 21/ E eu não me diverti muito/ E agora eu vou ter 22/ E digo, 'ah meu' e 'bu-hu'". Não sei se dá para dizer que 1969 foi um ano bom para o velho Iggy - bom, foi naquele ano que ele pegou gonorréia da Nico, então você que tire as conclusões por si mesma.

22 é uma idade confusa, é aquele momento em que a gente passa a se cobrar por cada pequeno detalhe, é aquela época em que você nunca sabe se está no caminho certo ou errado, é quando a gente imagina que somos as únicas pessoas do mundo que não estão "dando certo". De repente você está lá, adulto sem ter pedido para isso, adolescente sem paciência para a adolescência - cambaleando de um lado para o outro, entre a inocência perdida e a maturidade recém-adquirida, entre o excesso de diversão e o tédio da falta de excessos.

Como eu te disse no ano passado, não tenho muito a te prometer, exceto um TCC difícil, uma vida na rodoviária (patrocinada pela Garcia), dias de faraó e noites de cerveja, uma corja de londrinenses (residindo ou não aqui), fumaça e neblina, alegrias e decepções, mais um Avesso, compras a prazo e o empréstimo do cartão de crédito, dormir tarde, acordar cedo e dormir de tarde (mas só no finde), metrô, táxi e caronas erradas no teu Celta. E saiba que eu estou aqui te esperando para a hora que você quiser, e vou contigo para onde você imaginar. Estou do teu lado o tempo todo - no MSN, no Google Talk, por-email, SMS, sinal de fumaça ou telepatia sincrônica, estamos nessa juntos, para o bem e para o mal, riqueza, doença, saúde ou pobreza. E como sempre, I´m only here to love you.