31.1.06

Enganando por prazer

Alguém lembra quando a Conrad quis lançar um hype do tal de Luther Blisset? Sabe, aquele esquema, um nome público, que qualquer um poderia assinar, um pessoal querendo fazer obras de arte anônimas, questionamento da identidade individual, blá blá blá. Lançaram dois livros assinados por essa persona: Guerrilha Psíquica, uma coletânea um pouco esquizofrênica, dado o número de participantes, e Q, o Caçador de Hererges, um catatal num estilo Umberto Eco subversivo. Depois mudaram o nome do projeto para Wu-Ming (sem rosto, em chinês) e eu já nem sei mais o que está rolando.

Aqui no Brasil é meio obvio que as coisas não iam ser assim, desse jeito limpinho-escola-de-arte, muito menos com um nome cheirando a gringo desses. Algum sem-noção qualquer lançou a primeira moda: pegar os textos de auto-ajuda meia-boca da Martha Medeiros e assinar com o nome de Luis Fernando Veríssimo. O negócio ficou tão sério que o sr. Veríssimo conta que, certa vez, na inauguração de uma escola nos rincões gaudérios para o qual havia sido convidado, mandaram uma criança ler uma crônica achada na Internet com a grife Veríssimo. O único detalhe era que a crônica, para variar, não havia sido escrita por ele. É claro que a coisa pegou rapidamente: logo tinha texto do Arnaldo Jabor falando bem do cinema de Hollywood, texto grosseiro e sem graça, sobre peidos, assinados pelo sempre ferino Millôr. Isso continua circulando, agora não só em forma de e-mail de texto puro, mas em apresentações de Power Point cheias de fotos de bichinhos fofos ou mesmo em arquivos deáudio (alguém já ouviu a narração daquela crônica do protetor solar? Não ouçam).

Com a ascenção do orkut ao posto de principal desperdiçador de tempo do brasileiro conectado, logo surgiram os profiles falsos. Uns são apenas para participar de comunidades sobre sexo, uma espécie de lado B do orkut onde quase todo mundo é anônimo. Outros assumem o posto de anônimo por uma certa "covardia", rechaçada pelo anti-cagüetismo que faz parte do imaginário nacional (na verdae, é uma cultura em contradição, mas isso vem outra hora).

Mas, e se os profiles falsos pudessem fazer algo além de simplesmente esconder uma personalidade, além de simplesmente mentir? Observei dois casos deveras interessantes: o Finas Fake e a SrA cObAiN (como eu não consigo escrever com esses shifts, vai só Sra..., daqui pra frente).

Desde os anos 80 Humerto Finatti já está por aí, exercendo a função de crítico-gonzo-dândi-do-roque por onde aceitarem as suas colaborações. Atualmente escreve a coluna Zap´n´Roll no site da revista Dynamite. Com suas peripécias conhecidas em grande escala, possui duas comunidades no orkut dedicadas a contar seus "causos", e no é âmbito delas que surgiu uma notória figura (que também freqüenta a comunidade da revista Bizz), o Finatti Humberto, também conhecido por Finas Fake. Provavelmente criado por algum desafeto do dândi, Finas Fake escreve com o mesmo arroubo do Finatti original, mas com muito mais humor, ou seja, ultrapassa a imitação (que nunca soou como seu intuito) e, com essa capacidade de absorver e emular o estilo mimetizado, supera o copiado, como neste texto.

No mesmo espírito de comédia, alguns insanos criaram a Sra..., uma fake menos refinado e, de certa forma mais ambicioso. Ciente da falta de paciência e de senso de humor, Sra... é uma pratical joke que seria aprovada pelo Monty Phyton. com amigos e fotografis "reais", fica difícil reconhcê-la como fake, mas, ao mesmo tempo, seu exagero nos erros de português e nos clichês da meninas fotolog mais simplórias, a denuncia. Mas muita gente cai. E, claro, ela sai por todas as comunidades "sérias" do orkut desrespeitando qualquer regra implícita de convivência. Nas comunidades "Eu amo fulana", acha algum defeito da homenageada; nas comunidades de banda, faz perguntas que todo mundo está cansado de saber (especialmente errando na grafia e nos dados históricos dos músicos); chegou até a abrir um tópico falando que está acostumada a apanhar do namorado na comunidade "Feminismo e Feministas". Politicamente incorreta até o talo, a Sra..., pode ter certeza, é muito mais divertida que qualquer Luther Blisset.

30.1.06

O Retorno de Jack e Judy

Para qualquer um é óbvio que o marco inicial do punk é o primeiro disco dos Ramones. Todas aquelas músicas desgraçadamente simples, dando um novo sentido à expressão minimalismo: poucas notas, nenhum solo, nenhuma virada, vocal reto. Quando começa, termina. E um diferencial em relação às apresentações ao vivo: o disco é beeeeem mais lento que qualquer gravação dos shows da banda na mesma época. Ele foi feito para ser aprendido, decorado em quinze minutos, tão simples e estúpido que era.

Uma série de canções que lidavam por um lado com a loucura cotidiana de uma Nova York sub-underground, sem a pose da turma do Wharola, num Queens realmente fim de linha, e por outro lado, uma série de fantasias pessoais adolescentes, com uma dose extra de pura negação. Isso significa, num momento, Dee Dee compondo uma crônica sobre seus momentos de michê (53rd & 3rd) e Joey contando sobre uma mãe correndo atrás do filho com um bastão de beisebol (Beat On The Brat); e noutro, o cotidiano abalado pelo Massacre da Serra elétrica (Chainsaw) ou mesmo a obsessão com o nazismo (Today Your Love, Tomorrow The World), tudo temperado pela evolta barata (a única que vale alguma coisa) de I Don´t Wanna Walk Around with You e I Don´t Wanna Go Down To The Basement. Um resumo de tudo que eles produziriam: amor impossível em I Wanna Be Your Boyfriend, chapação idiota em Now I Wanna Sniff Some Glue, e os eternos gritos de guerra em Blitzkrieg Bop .

Mas se existe uma música que pode ser tida como fundadora de tudo, do mito dos Ramones ao punk em si, é Judy Is a Punk. No documentário End Of The Century, Tommy Ramone conta que chegara a um ensaio e Joey e Dee Dee estavam ensaiando a canção, com a qual ele hvia ficado maravilhado com a sua "modernidade". A partir desse relato, podemos imaginar que seja o marco zero do estilo Ramones de composição, bateria reta, sem introdução ou outras firulas, aquilo que iria desembocar mais tarde nos Sex Pistols.

Jack e Judy são o marco inicial de uma geração que ainda estava nascendo, uma cena novaiorquina que era um microcosmo da estafa adolescente no mundo. Muitos já haviam torrado os neurônios com cola, outros mais já haviam apanhado de tacos de beisebol, mas ninguém até então era nominalmente PUNK. Mais que um adjetivo, aqui começa uma era, um movimento, mesmo que involuntário. A dupla de personagens da música, por definição vindos da ralé, troca o tédio das rádios AM por qualquer coisa, tanto a trupe de patinação no gelo Ice Capaders quanto o grupo armado SLA (Symbionese Liberation Army, seqüestradores de Patti Hearst, a mais famosa vítima da síndrome de Estocolmo). Tanto o burlesco kitsch quanto o risco de um balaço valem a pena. Os Ramones não entendem: "Eu não sei o porquê/ Talvez elas morram", com a bunda gelada ou na cadeira elétrica. Mas elas acabam voltando, no álbum End Of A Century, ainda abandonadas. Na verdade, são um alter-ego da banda, e de todos os seus futuros seguidores, a própria semente punk.

O outro ponto nevrálgico da canção é um discreto potencial de meta-linguagem. Antes ainda da "articulada" One Chord Wonders, dos Adverts, os Ramones abordavam o próprio fazer da canção punk quando cantam: "Segunda estrofe/ Igual à primeira". Na mais curta música do àlbum, detonam uma série de questões: Quantas estrofes são o suficiente? Preciso de estrofes e refrão? Até onde a música tem que ir? Não importam as conclusão, importa saber que ali existia uma preocupação estética com a construção musical. Os Ramones redimiram a falta de habilidade, mas não a estupidez. Só porque você pode fazer música, mesmo que o máximo de domínio do seu instrumento seja saber a posição correta de como segurá-lo, não significa que qualquer coisa que você tocar será boa ou interessante. Você pode não usar o sistema estrofe-refrão-estrofe. Mas tem que saber o porquê daquilo. Os Ramones cantavam a segunda estrofe da mesma maneira que a primeira. Mas a terceira era diferente.

27.1.06

Do mal

O gangsta é o metal do rap? Então o Necro é o death metal do rap.